terça-feira, 3 de dezembro de 2013


 
Dedicado aos meus netos, Inês, João Maria,Martim e Afonso.
  0 .Introdução
Adoptei o nome de Guerra Colonial, mas a designação oficial portuguesa do conflito é Guerra do Ultramar e a designação oficial Angolana é Guerra de Libertação ou Guerra da Independência de Angola.
Decidi-me por este tema porque a vivi intensamente durante dois anos, de 1966 a 1968.
Decidi-me por este tema em memória daqueles que tombaram em nome da Pátria ingloriamente e daqueles que ficaram altamente diminuídos nas suas capacidades físicas e/ou psíquicas.
Decidi-me por este tema, porque aos homens da minha geração foi-lhes incutido que Portugal era uma grande Nação e que não era qualquer grupo de libertação armado que nos venceria.
A Guerra Colonial de Angola iniciou-se em princípio de 1961 e durou até 1974. Estiveram em confronto as Forças Armadas Portuguesas e as forças organizadas pelos movimentos de Libertação (UPA, MPLA, FNLA e UNITA).
Os primeiros confrontos ocorreram em Luanda, com o ataque à prisão em Fevereiro de 1961 e os ataques às populações, independentemente da cor da pele, no norte de Angola em Março do mesmo ano.
Os Governos, primeiro de Salazar e depois de Marcelo Caetano, nunca quiseram admitir que esta guerra era uma questão política e não militar, porque todo o mundo estava contra esta situação e já tinha sido aprovado em Assembleia da ONU que se devia dar autonomia a todas as colónias.
Ambos os governos se regiam pelo lema “manda quem pode e obedece quem deve” e assim continuaram a enviar os jovens portugueses para a Guerra como se manda “carne para canhão”.
 Passados 45 anos, ainda hoje me recordo como se fosse ontem, quando o Praxedes, a quem entreguei a última ração de combate, foi o primeiro militar da minha companhia que morreu em combate. Também me recordo do dia em que o José Manuel Azeredo Pais saiu do quartel com o seu Grupo de Combate e me deu um abraço de despedida, dizendo que já não regressava vivo 28/03/1968, ia com o Seu Grupo de Combate executar um pressuposto reconhecimento, mas não era nada disso e Ele sabia bem que se tratava de uma cilada organizada pela pide por forma a acabar-lhe com a Vida e fazer crer ter sido em combate, Ele era pessoa incómoda para o regime de Salazar.
Ainda no dia anterior 27/03/1968, outro Grupo de Combate sofreu duas emboscadas levadas a cabo pelo inimigo em que perderam a Vida mais três Camaradas, O Celestino O Victor Manuel e O Cristo, mais uma série de feridos que lhe perdi a conta.
Tudo isto em troca de um balde de…. nada
              
Figura 1. Lápide em homenagem aos 4 mortos em combate da companhia no Norte de Angola.
O presente trabalho encontra-se dividido por secções que se iniciam com a recruta para a guerra colonial, seguido da secção que retrata o embarque no navio que transportou os jovens militares para Angola. De seguida, são afloradas as forças presentes nesta guerra e o seu início. Na secção que se segue, a operação Quissonde assume o protagonismo, seguida das Nações Unidas. Na secção seguinte, são retratados factos históricos relacionados com o fim da guerra colonial e, por último, é caracterizado o país Angola actualmente. Para terminar, é redigida uma pequena conclusão deste trabalho que inclui factos descritos e vividos na primeira pessoa bem como factos históricos.
1. A Recruta
Assentava-se praça numa qualquer unidade militar do País. Éramos recebidos com alguma frieza e depois de nos identificarmos, íamos ao armazém receber as respectivas fardas, de trabalho e passeio, e lá seguíamos para a camarata reconhecer a cama e o cacifo que nos tinham sido atribuídos. A mim tocou-me um quarto particular com 200 camas/camaradas. Também me recordo da famosa vacina que nos era aplicada: entravam 12 militares de cada vez, nus da cintura para cima, passava um militar/enfermeiro que desinfectava a zona da injecção, depois passava outro que espetava uma agulha, passava outro com uma grande seringa que aplicava a dose, passava outro, que retirava a agulha e por fim passava outro que desinfectava, dando-nos uma palmada nas costas informando-nos para sair porque já estavam mais 12 para entrar. Felizmente que no meu grupo ninguém desmaiou, mas no grupo anterior e no posterior ouve complicações com alguns desmaios.
No dia seguinte, alvorada às 7 horas da manhã a toque de clarinete, seguida do pequeno-almoço. Às 8 horas iniciávamos a aplicação militar, treino para quando acabássemos a recruta e a especialidade estivéssemos preparados para embarcar para a guerra...isto como se alguém alguma vez esteja preparado para ir para a guerra. O treino consistia na preparação física e psicológica.
Figura 2. Elementos da Cª Cavª 1535 em Treino psicológico.
Éramos treinados para fazer psico com os turras[1] e, simultaneamente, a matar. A seguir, frequentávamos a especialidade que, em termos físicos, não era tão violenta como a recruta. Mas não era pêra doce porque na minha especialidade fomos deixados em grupos de 4 militares numa serra que nunca soube onde é que fica, por volta da meia-noite, numa noite que nem luar havia, sem alimentos e água. Demorámos duas noites e um dia a chegar ao Quartel, exaustos mas felizes por chegarmos. Quando acabei a especialidade, entregaram-me uma guia de marcha para outra unidade que, após alguns dias, me apercebi ser a unidade mobilizadora. Esta unidade formou o batalhão e as respectivas companhias, 600 homens no total, após terem chegado para além dos atiradores, os especialistas: enfermeiros, condutores, mecânicos, transmissões, escriturários e cozinheiros.
Enquanto se formava o batalhão, realizavam-se todos os dias exercícios de treino militar, começando por um cross de uma hora seguida de treino no picadeiro da unidade, onde éramos obrigados a rastejar quase uma hora, nunca era menos de meia-hora onde a nossa farda ficava miseravelmente cheia de lama. Quando o batalhão se formou, fomos acampar, fazendo exercícios de treino de guerra de manhã, à tarde e à noite. Era como se já estivéssemos no campo de batalha, recebendo instruções como sobreviver no mato numa qualquer província ultramarina.
2. O Embarque
Após o regresso do treino do acampamento, eram-nos administradas as vacinas e recebíamos nova farda e camuflado. O batalhão estava pronto para seguir o seu destino. Antes, deram-nos uns dias de descanso para nos despedirmos da família e dos amigos e deram-nos uns míseros escudos de ajudas de custo. De regresso à unidade mobilizadora, assistimos à missa campal e o Comandante do Quartel entregou o Guião ao Comandante do Batalhão. Desfilámos ao som da música da Teresa Tarouca, “Sangue, suor e lágrimas”. Quando acabou o desfile lá fomos nós para a camarata arrumar os nossos haveres para depois subirmos para os camiões em direcção à estação de comboios. Viajámos durante a noite e chegámos à estação de Santa Apolónia em Lisboa ao amanhecer. Novamente, subimos para os camiões que nos levaram para o Cais de Embarque.
Aí, colocámos a nossa bagagem no local previamente estabelecido e fomos dar um abraço de despedida aos familiares e amigos que estavam presentes. Formatura para o respectivo desfile perante o General-Chefe das Forças Armadas Portuguesas, a Presidente do Movimento Nacional Feminino e o Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, ao som da música de Maria de Lurdes Tavares “Angola é nossa”.
Terminado o desfile, chegou o momento de embarque. Subimos as escadas do navio e fomos arrumar a nossa bagagem junto ao beliche que nos tinha sido atribuído. Estes beliches ficavam no porão do navio que tinha sido transformado em caserna. Voltámos ao convés, alguns camaradas treparam aos mastros para a última tentativa de dizer adeus aos familiares que era impossível ver, porque estavam apinhados nas varandas da gare marítima.
Por volta do meio-dia, a sirene apitou e o navio começou a afastar-se lentamente, passou debaixo da ponte Salazar e deslizou em direcção ao Atlântico.
Eram dadas instruções para o almoço, que era a primeira refeição a bordo. Com a saída do rio Tejo e entrada no Atlântico, o navio parecia que estava numa tempestade. Começou o enjoo que, em alguns militares, durou quase uma semana. Ao jantar, a maioria dos meus camaradas já não conseguiram comer.
Durante a viagem, que durou 12 dias, tiraram-se fotografias, jogámos às cartas e recebemos treinos diários, como nos comportar/sobreviver no mato.
Com a aproximação da chegada, que foi de manhã, arrumámos as malas e iniciou-se o desembarque. Formatura com um calor arrasador, um novo discurso e um novo desfile. Partida novamente em camiões para o campo militar Grafanil. A primeira noite fomos um petisco para os mosquitos. Havia militares que ficaram com o corpo quase em chaga, tantas eram as picadas dos famosos mosquitos, particularmente eu, porque a escala de serviço colocou-me como sargento de dia. Nessa noite dormi, o máximo uma hora com as mãos nos bolsos e quando acordei tinha os pulsos de tal ordem picados pelos mosquitos, que mais parecia que tinha uma pulseira (encarnada) em cada pulso.
Mas isto era apenas o início das dificuldades que a mudança de Continentes e das condições de vária ordem viria a provocar.
Passados poucos dias no citado Grafanil, local e Quartel que servia de entreposto à chegada e partida dos contingentes Militares que iniciavam ou terminavam as suas comissões de serviço, fomos enviados para a zona de guerra, calhou-nos Kicabo; onde ao fim de apenas 2 dias de permanencia me apareceu o corpo todo cheio de bolhas de água, ao verificar o meu estado fui logo à Enfermaria para saber o que poderia estar a provocar-me aquela anormalidade, foi-me dito tratar-se de um problema de alergia ao calor, recebi logo um primeiro tratamento, deram-me uma injecção pressuposto antídoto contra o meu problema, foi-me dito que levaria uma 2ª dose passados uns dias, mas a 1ª dose deixou-me vacinado, pois a que me administraram e a forma como ma aplicaram retirou-me a vontade de repetir, só pensar no que sofri ao darem-me aquela injecção, uma seringa enorme (mas que fez efeito, fez) aplicada por um Enfermeiro que na melhor das hipóteses foi formado em tão delicada área como é a saúde num espaço de 3 meses, período que durava a especialidade, deixa perceber a aptidão para exercer tão complexa actividade, não culpo os ditos Enfermeiros, faziam o que lhes era possível, mas ao falar de Enfermeiros não posso faze-lo sem referencia aos Enfermeiros-Maqueiros e na minha companhia haviam 2, estes bons Rapazes foram para o embarque com a especialidade de Atiradores sem nunca terem tido qualquer noção do que era dar uma injecção e num espaço de duas semanas com umas palestras sobre o tema, já estavam a ser Enfermeiros-Maqueiros e a aplicarem injecções na Rapaziada , isto era a metodologia Militar,  felizmente a 1ª dose resolveu o meu problema se levo a 2ª podia ser-me aplicada por um Maqueiro e aí ainda sofria mais.  
Permanecemos em Kicabo durante 6 meses de Maio a Outubro, no dia 2 de Novembro 1966 foi a minha Companhia tomar conta de outra localidade, Maria Fernanda, local bem conhecido nos meios Militares como sitio de alto risco. Aqui como responsável pela alimentação tive que enfrentar outras situações, este local ficava mais no interior norte e os acessos para reabastecimentos além do perigo constante ao longo da picada que ligava Kicabo à Maria Fernanda tinha ainda outro grau de dificuldade para ultrapassar, que era o mau estado da picada   especialmente na época das chuvas, em que era imprevisível quantos dias seriam necessários para fazer o trajecto, Maria Fernanda, kicabo e vice- versa, onde íamos buscar sob escolta o que se denominava como MVL para transporte da Logística necessária não só aos Militares mas também aos Fazendeiros da Margarido e Maria Fernanda
 
Figª 3. O Lamaçal da Picada entre a Maria Fernanda e Kicabo, Militares da 1535 a desatascar Viaturas
Como só através de Kicabo podíamos ser reabastecidos e os géneros alimentares eram fornecidos por conta peso e medida, para um determinado espaço de tempo quando as Colunas Militares demoravam muitos dias para fazer as necessárias viagens os alimentos em certas ocasiões aproximava-se da ruptura.
 
     Figura 4. Viatura Militar a tentar desatascar um camião civil inserido no MVL entre Kicabo e a Maria Fernanda
Mas numa dessas viagens os Activos que a fizeram com as várias contrariedades encontradas no percurso teve que demorar muito para além do que seria espectável e os alimentos para confeccionar a comida foram-se esgotando tendo que recorrer aquilo que se destinava como ultima reserva, Massa (Macarrão) e Salsichas que cortadas ás rodelas lá fazia uma refeição, mas tudo se acaba, a situação fica crítica, expus o problema ao Comandante de Compª pedindo-Lhe para emitir um alerta (S.O.S.) aos responsáveis em Luanda apelando à resolução do problema, O Capitão fez logo o alerta, foi então enviado por um avião conhecido como o Nordatlas um caixote contendo Carapaus, só que na Maria Fernanda não havia Pista de aterragem e o pessoal do avião resolveu e bem lançar o caixote dos carapaus com um pára-quedas na zona do pseudo campo  de futebol  ali existente, mas mesmo com o pára-quedas ao embater no chão o caixote abriu-se todo e foi ver os carapaus cheios de terra que era bastante solta, eu desiludido pelo estado em que vi ficar este bem alimentar, mas aqui ressaltou o espírito optimista dos Militares da 1535 viraram-se para mim e disseram Ó Furriel não tenha problemas, trabalho adiantado, já estão albardados é só fritá-los, ao ouvir isto o meu astral subiu e foi possível confeccionar a refeição; bom pessoal os elementos da Compª de Cavª 1535.
Na Maria Fernanda tínhamos ainda mais um problema a resolver no dia a dia para conseguir fazer as
refeições,a Água; 
Figura 5. Aspecto da cor da água que se obtinha num riacho na Maria Fernanda
era obtida num Riacho que passava relativamente perto, só que era tão barrenta  que obrigava os cozinheiros a fervê-la , deixa-la repousar e com cuidado mudá-la de recipiente, para assim obter uma melhoria na qualidade deste precioso liquido, na época das chuvas as dificuldades eram acrescidas porque a quantidade de barro existente na Água era tanto que de cada panela fervida só se conseguia aproveitar aproximadamente metade obrigando a ter que fazer esta operação muito mais vezes, mas os nossos Cozinheiros faziam este trabalho de bom grado, porque não ter que sair do aquartelamento como o tinham que fazer os Atiradores, Condutores, Telegrafistas ou Enfermeiros, era e Eles sabiam bem, um grande privilégio.                                                                               
3. As Forças dos Movimentos de Libertação
Portugal enfrentou um grande conjunto de movimentos rebeldes. Estas forças encontravam-se, no início, bastante fragmentadas, mas, melhoradas as relações entre si, revelaram-se mais sólidas e perigosas. Em Angola, no início da guerra, a principal oposição centrava-se em três movimentos nacionalistas. O primeiro era a União das  Populações de Angola (UPA) depois designada por Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), com uma força activa de cerca de 6 200 homens com base no Congo ex-Belga. Este número não se modificou grandemente durante toda a guerra. O segundo era o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). O MPLA operou a partir de diversos locais até 1963, data em que se estabeleceu no Congo (Brazzaville), antigo Médio Congo da África Equatorial Francesa. O grosso das suas forças deslocou-se em 1966 para a Zâmbia, a fim de estabelecer uma frente leste e calcula-se que nela tenha tido 4 700 homens desde essa altura até 1974. Finalmente, havia o movimento dissidente da UPA/FNLA, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), formado em 1966, com apenas 500 guerrilheiros (Cann, 2005).
4. O Início da Guerra
A 4 de Fevereiro de 1961, o assalto à prisão de Luanda pela MPLA levou a que houvesse um empenhamento militar português na repressão do movimento nacionalista angolano, e motivou uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU que decorreu entre o dia 10 e 15 de Março de 1961. Terminou exactamente no dia em que se iniciou a sublevação no Norte de Angola, levada a cabo novamente pela UPA, com um massacre de brancos, pretos e mestiços, provocando um choque tremendo na população da metrópole.
Em 1961, a oposição portuguesa ainda não se manifestava, com excepção do Partido Comunista Português (PCP), em relação às províncias ultramarinas, pois as colónias formavam uma unidade política, sendo fácil ao Governo Salazarista mobilizar a população para a respectiva resposta.
Em Portugal a pressão para estabelecer o controlo absoluto nas colónias e desenvolver estruturas em territórios coloniais tornou-se parte dos programas políticos (Guimarães, 2001).
Os jovens com idade para ir para a tropa começaram a ser todos apurados, salvo aqueles que fugiram na aventura da emigração ou desertaram após incorporação: Lema de Salazar “A Pátria não se discute, defende-se”.

Figura 6. Movimentação e patrulhamento da companhia de Cavª 1535.
Em 14 de Dezembro de 1960, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprova, através da Resolução 1514 (XV), a chamada Declaração Anticolonista, à qual anexa, no dia seguinte, pela Resolução 1541 (XV), o Relatório dos Seis.
Este relatório, elaborado pelo Comité dos Seis, constituído por três potências administrantes (Holanda, Reino Unido e Estados Unidos) e por três não administrantes (Marrocos, México e Índia).
Na XVI Assembleia-Geral, realizada em Dezembro de 1961, foram aprovadas duas novas resoluções: por um lado, constituía-se o Comité Especial para os Territórios Administrados por Portugal (Comité dos Sete) e, por outro, a Assembleia-Geral reprovava “a repressão e acção armada desencadeadas contra o povo angolano”.
5.A Operação Quissonde
Iniciou-se em Maio de 1966, comandado pelo Tenente Coronel Alves Pereira mais conhecido em Angola como o Comandante Totobola.
Esta operação teve como finalidade construir uma picada[2] e uma ponte sobre o rio Dange para ligar a Missão á estrada principal Luanda Carmona passando pela Fazenda Maria Manuela.
A picada e a ponte foram construídas pela engenharia militar e protegida pelas companhias de combate. Todos os dias havia ataques dos turras porque esta picada ia passar junto a um aquartelamento e das fazendas onde eles trabalhavam para colher alimentos. Houve vários mortos e feridos, principalmente nas companhias que forneciam e transportavam os alimentos às companhias que estavam na frente de combate. Cada companhia fazia um mês e meio de comissão nesta operação.
Figura 7. Jovem militar em combate.
A minha companhia foi acampar num morro do outro lado do rio Dange, antes da ponte estar construída. A minha missão era mandar confeccionar comida para 450 pessoas. Os meus camaradas foram atacados várias vezes quando se deslocavam em protecção dos nativos que tinham sido contratados para destruir as terras de agricultura dos turras.
O nosso acampamento foi atacado só uma vez, à noite, no dia do jogo de Portugal-Brasil do Campeonato Mundial de Futebol que se realizou em Inglaterra em 1966.
Como nos começavam a faltar alimentos, eu fui enviado em missão no dia anterior, com o objectivo de expôr as nossas dificuldades ao aquartelamento do Comando da Operação Quissonde na fazenda Maria Manuela. Expus as dificuldades da falta de alimentos da minha companhia ao Comandante da Intendência e lá me deu autorização para requisitar a quantidade de alimentos que necessitava para poder levar no dia seguinte de manhã cedo na coluna de abastecimento. Nessa noite, adormeci debaixo de uma camioneta de caixa aberta porque o cacimbo era tão intenso que mais parecia chuva, ouvindo o relato do jogo Portugal-Brasil no meu pequeno rádio colado ao ouvido. No meio de tantas tristezas, lá tivemos uma alegria porque ganhámos ao Brasil por 3-1.
No dia seguinte, de manhã bem cedo parti na coluna que transportava o carregamento de alimentos e que era frequentemente atacada, não tendo sido nesse dia. Quando cheguei à margem do rio Dange, lá estava um camarada com o barquito pneumático para me transportar à outra margem juntamente com um bidão de 200 litros de azeite, que por pouco não fez entrar água no barco, tal era o excesso de peso. No entanto, esta era a única forma de passar os alimentos de uma margem para a outra do rio. Assim que cheguei junto dos meus camaradas de companhia, fui informado de que estiveram toda a noite debaixo de fogo. Foram atacados, mas felizmente, desta vez, não houve nem mortos nem feridos.
Figura 8. Jovem militar sentado à secretária a escrever á família.
6. A Organização das Nações Unidas
A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou em 14 de Dezembro de 1960, através da Resolução 1514 (XV), a chamada Declaração Anticolonista, anexando o Relatório dos Seis.
Este relatório, elaborado pelo Comité dos Seis, constituído por três potências administrativas (Holanda, Reino Unido e Estados Unidos da América) e por três não administrantes (Marrocos, México e Índia) debruçava-se sobre questões relacionadas com a definição de “território não autónomo” e condições de passagem de um território não autónomo a uma situação de “governo próprio”, previsos no artigo 73º da Carta das Nações Unidas.
Votaram contra o Relatório apenas Portugal, Espanha e África do Sul. Ainda em 15 de Dezembro de 1960 era aprovada a Resolução 1542 (XV) relativa aos territórios portugueses que a Assembleia Geral considerava não autónomos, enumerando-os e declarando a obrigação de Portugal prestar sobre eles as informações decorrentes do capítulo XI da Carta. Esta resolução que se constituía como a base de todo o relacionamento da ONU com Portugal até ao final da guerra foi aprovada por 68 votos contra 6, havendo 17 abstenções onde se incluiam os Estados Unidos da América e o Reino Unido.
A partir de 1961, a situação tornou-se ainda mais difícil para Portugal não só porque o novo Presidente dos EUA, John Kennedy, estabeleceu como um dos pilares da sua política externa o apoio às independências coloniais, mas também porque o início das hostilidades em Angola acabou por converter este território num dos centros da política africana.
7. O Fim da Guerra
O 25 de Abril de 1974 foi planeado e executado por militares dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas. Uma nova geração de oficiais formados e criados na Guerra, levaria por diante, sob a direcção do MFA, um período revolucionário que transformou totalmente o Estado e a sociedade. Houve vários factores que contribuiram para esta Revolução, mas foi a Guerra Colonial apontada como o factor principal para a queda do Estado Novo.
O Programa do MFA, da responsabilidade da sua comissão coordenadora, apresentou de forma inequívoca a vontade de possibilitar a independência das colónias. Assim começou o processo de descolonização.
A aproximação dos três movimentos de Libertação (FNLA, MPLA, UNITA) constituía uma grande dificuldade para o governo português. Apesar das dificuldades, começaram-se a desenvolver conversações dirigidas especificamente a cada um dos movimentos. Inicialmente, com a FNLA, posteriormente com o MPLA e, finalmente, com a UNITA.
Assim se fez a descolonização de Angola com o Acordo final assinado em Alvor.
O Acordo do Alvor, assinado entre o governo potuguês e os três principais movimentos de libertação de Angola (MPLA, FNLA e UNITA), em Janeiro de 1975, em Alvor, no Algarve, estabeleceu os parâmetros para a partilha do poder na ex-colónia entre esses movimentos, após a concessão da independência de Angola.
Pouco tempo depois do Acordo assinado, os três movimentos envolveram-se num conflito armado pelo controlo do país e, em especial, da sua capital, Luanda, no que ficou conhecido como a Guerra Civil de Angola.
O modo como foi assinado o Acordo de Descolonização de Angola foi um fiasco porque os movimentos de libertação não se entenderam e provocaram a Guerra Civil que arruinou a serenidade do processo, agravando a situação interna com milhares de mortos (mais do que durante a Guerra Colonial) e a fuga dos portugueses que provocou em Portugal a invasão dos Retornados.
8. Angola Actual
Angola situa-se na costa atlântica sul da África Ocidental, entre a Namíbia e o Congo. Também faz fronteira com a República Democrática do Congo e a Zâmbia a oriente. Tem uma população estimada de 12 000 000 de habitantes, dos quais 3 milhões habitam na capital Luanda, com uma idade média de 19 anos. O território é constituído por 18 províncias, num total de 1 246 700 Km² de superfície, como uma extensão de fronteiras, marítimas de 1600 km e terrestres de 4873 km (Embaixada de Angola, 2010).
O país está dividido entre uma faixa costeira árida, que se estende desde a Namíbia praticamente até Luanda, um planalto húmido, uma savana seca no interior sul e sueste e uma floresta tropical no norte e Cabinda. O rio Zambeze e vários afluentes do rio Congo têm as suas nascentes em Angola. A faixa costeira é temperada pela corrente fria de Benguela, originando um clima semelhante ao da Costa do Perú ou Baixa Califórnia.
As altitudes variam bastante, encontrando-se as zonas mais interiores entre os 1000 e 2000 metros. As regiões do norte e Cabinda têm chuvas ao longo de quase todo o ano.
A maioria dos rios de Angola nasce no planalto do Bié e os principais são: Cuanza, Cubango e Cunene.
É uma antiga colónia portuguesa, colonizada no século XV e que assim permaneceu até à sua independência em 1975. Apesar de se localizar numa zona tropical, o país tem um clima que não é caracterizado por aquela condição, devido à confluência da corrente fria de Benguela ao longo da parte sul da Costa, ao relevo do interior e ao deserto do Namibe a sudeste. Assim, o clima de Angola é caracterizado por duas estações, a das chuvas de Outubro a Abril a do Cacimbo de Maio a Setembro, mais seca e com temperaturas mais baixas. Por outro lado, enquanto a orla costeira apresenta elevados índices de pluviosidade, que vão decrescendo de norte para sul, com temperaturas medias anuais acima dos 23ºc , a zona do interior pode ser dividida em 3 áreas: Norte, com grande pluviosidade e temperaturas altas; Planalto Central com uma estação estação seca e temperaturas médias da ordem dos 19ºc, e Sul com amplitudes térmicas bastante acentuadas devido à proximidade do deserto do Kalahai e à influência de massas de ar tropical.
A língua oficial é o português e as principais línguas nacionais são o Umbundu, Kimbundu, Kikondo e Tchokwe.
A população é na ordem dos 51% católica.
9. Conclusão
Portugal foi a primeira potência colonial a chegar a África e a última a sair. Enquanto outros estados europeus davam a independência às suas possessões africanas, Portugal decidiu ficar a lutar, apesar das poucas probabilidades de vir a ser bem sucedido.
O empenhamento de Portugal na defesa do Ultramar teve as suas origens na procura de uma renovada grandeza de épocas passadas, segundo a visão imperialista do governo de Salazar. As colónias africanas dos nossos dias foram na sua maioria um fardo económica e politicamente irregular até às vésperas das guerras, e até ao pós-Segunda Guerra Mundial apenas indicavam possibilidades de benefícios económicos substanciais (Cann, 2005).
A oposição política a Salazar não era tolerada nem na metrópole nem no ultramar. O aproveitamento de longa data das populações africanas de Portugal criaram uma insatisfação generalizada, sem perspectivas de qualquer saída. Era inevitável uma explosão contra a intransigência de Salazar perante as reivindicações da população africana (Cann, 2005).
Quando, em 1961, se deu essa explosão, os acontecimnetos em Angola, juntamente com o golpe frustrado, o isolamento das Nações Unidas e a queda de Goa, a situação criada levou Salazar a solidificar o empenhamento português na defesa das colónias e a preservar o seu regime. Este empenhamento nacional foi o reflexo de si próprio e da sua propensão para não tolerar qualquer oposição, particularmente por parte de movimentos nacionalistas e de elementos do seu próprio exército. Este sentimento era tão forte que desafiou qualquer voz da razão e impediu qualquer retirada ou acordo acerca dos assuntos africanos. As Forças Armadas e os recursos portugueses foram completamente empenhados, enquanto manifestação definitiva desta promessa de fazer funcionar o sistema colonial no conceito de império de Salazar (Cann, 2005). 
Com o 25 de Abril e a entrega precipitada aos Grupos de Libertação de Angola, que provocaram uma guerra civil onde morreram mais pessoas do que na Guerra do Ultramar, não houve respeito por todos aqueles que, como eu, fomos obrigados a deixar a família e o emprego para irmos lutar por uma causa que à partida estava perdida.
Sou contra as guerras e considero que o povo de Angola tinha toda a razão para lutar pela Independência do seu país, contudo, foi lamentável que a atitude do Governo de Salazar não tenha seguido o exemplo de França ou de Espanha.
Deixo este pequeno testemunho aos meus netos, para quando crescerem fiquem a saber que o avô foi obrigado a ir para uma guerra que não fazia sentido (como todas as guerras). Mas resta-me uma grande satisfação, como nunca fui atacado nunca contra ataquei. Penso que sou o único militar da 1535 que passou o tempo todo na companhia, que nunca foi atacado.  
Referências Bibliográficas
Cann, J. P. (2005). Contra-Subversão em África, 1961-1974. Ed. Prefácio: Lisboa.Embaixada de Angola (2009), [Online], Disponível através do site: http://www.embaixadadeangola.org/, [Último acesso: 20 de Março de 2010].
Guerra Colonial (2010), [Online], Disponível através do site: http://guerracolonial.org/index.php?content=115, [Último acesso: 18 de Março de 2010].
Guimarães, F. A. (2001). The Origins of the Angolan Civil War. Foreign Intervention and Domestic Political Conflict. Macmillan Press Ltd: Londres.
Wikipedia(2010), [Online], Disponível através do site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_do_Alvor, [Último acesso: 18 de Abril de 2010].
UC (2010), Universidade de Coimbra - Centro de Documentação 25 de Abril, [Online], Disponível através do site: http://www1.ci.uc.pt/wikka.php?wakka=embarque, [Último acesso: 26 de Fevereiro de 2010].
 
 

[1] Eram os nativos que lutavam pela libertação de Angola.
[2] Estrada de terra batida.

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